sexta-feira, 21 de novembro de 2008

I, me, me, mine

Ficar muito tempo sem escrever é uma merda*. As idéias empacam. E embora eu esteja ruminando alguns pensamentos há algum tempo, não sei como articula-los nesse texto. Vou tentar contar mais ou menos como era a idéia, fingir que sou sofisticada e fazer um meta-texto.
O título era: gula, santificada seja vosso nome.
Começava assim: numa edição da Trip dedicada à alimentação, um cara dizia que todo mundo tem um momento derradeiro na vida que é mais do que uma epifania**. É um momento que sela quem você vai ser, qual será sua sina. Ele contava que seus pais os levaram pruma fazenda quando criança e mostraram para ele um bezerro. E ele disse: puxa, que bonitinho, quando a gente vai matar ele para fazer churrasco? (juro que eu queria ser mãe dessa criança). E aí, fudeu, tava selado: ele seria um pagão para todo sempre.
Minhas cenas definitivas são três e formam uma história, acho. Ou pelo menos uma sessão de terapia.
5 anos, jardim III. A professora pede para a gente inventar uma história envolvendo nossos pais e o que eles fazem da vida. Meu pai e minha mãe, administrador e dona de casa, viraram piloto de fórmula 1 e bailarina. Mas não era só que eu era mentirosa (o que eu era), a verdade é que dentro da minha cabeça a fantasia fazia muito mais sentido do que a realidade. E continua fazendo até hoje.
5 anos, mesmo jardim III. A professora chega e prega 5 cartolinas com desenhos de casinha na parede. Cada casinha tinha uma janela fechada e ela disse que dali a uma semana ia abrir as janelas e dali sairia uma grande surpresa. Meu amiguinho, que eu não me lembro se era imaginário ou real, achava que iam voar carrinhos. Eu achava que iam voar balas e chicletes. Ela abriu as janelinhas e lá estavam as vogais. Nada que possa ser comparado a uma bela bola feita de 5 buballos de morango.
4 anos. Meu avô (my fella, my guy) comprou um gravador e o barato dele era gravar uns cassetes da minha irmã e de mim falando. Para minha irmã aquilo era o grande palco. Ela passava horas cantando música, inventando personagens, dando entrevistas para o gravador (“a bailarina da família”). Eu, boa Raul Seixas que sempre fui, achava tudo aquilo um saco. Minha voz é ouvida poucas vezes na fita que achei, 20 anos depois, só gritando e tocando o puteiro no background. Mas vez ou outra eu apareço, com a voz mais manhosa do mundo: vô, vamo na padaria? Ele pergunta o que eu quero da padaria, e eu digo: chiclete. Vô, me dá uma balinha. Ele diz: dou, mas antes você precisa jogar o chiclete que está na sua boca.
Uma bela hora ele consegue me sentar para fazer uma entrevista. Ele começa a perguntar quem está na casa dele, no interior (estávamos de férias lá).
- Um, dois, três, gravando. Entrevista com a senhorita Jasmin de Bellis. Quem está aqui em Lindóia?
- O vô.
- Quem mais?
- A vó.
- Quem mais?
- A Renata (minha irmã).
- Quem mais?
- A Jasmin.
- Muito bem, senhorita Jasmin (ele não disfarça o orgulho). O seu pai está aqui? A sua mãe está aqui?
- Não. Ele se enche de alegria. Sim, eu era pequeninha e ficava semanas só com você lá, vô, não precisava dos meus pais não. Eu ficaria só com você, em qualquer lugar, sempre, você não sabe?
- A senhorita foi na doceria do Élcio hoje?
- Não, vô, sabe o que é? Não é doceria, é sorveteria – momento derradeiro este também, eu pequeninha, já chata, com mania de corrigir as pessoas. Ele adora e morre de rir. Alguma dúvida de porque eu nunca perdi esse hábito? E, sim, lá estava eu, falando de doce mais uma vez.
- E o que mais você fez hoje? Você está se divertindo aqui?
- Ah, tudo que eu gosto. Eu amo aqui. Quando eu crescer e casar, vou morar aqui.

Era isso. Tudo que sou, eu já era aos quatro, cinco anos. Ansiosa, vivendo no futuro do meu mundo paralelo. Manhosa, lariquenta, gulosa, comilona, doce.

E não vou concluir mais nada. Deixarei no decifra-me ou devoro-te. Mas, cuidado, porque devorar sempre foi minha especialidade.



* Vocês acreditam que o meu word colocou minhoquinha vermelha embaixo do merda? Que porra (ôpa, de novo!) de pessoa inventou um programa que finge não conhecer a merda?
** O inventor também não conhece epifania. Não conhece nem merda e nem epifania. Diagnóstico: pessoa rasa.

domingo, 21 de setembro de 2008

With love, from me to you

Quase acho que poderia ser feliz nessa cidade.
Alguns dos trens do metrô são grafitados (por fora). São lindos parados e são lindos em movimento. Adoro, mas fico com um pouquinho de raiva porque se em algum lugar isso deveria existir era em São Paulo. E um muro lindamente grafitado também salva um prédio clássico do tédio imortal que é ser um túmulo.
Descobri hoje a Cidade Baixa. Já acharia emocionante qualquer lugar do mundo que tivesse esse nome. Quantos mistérios se escondem, quantas mulheres, quantos homens se revelam, no auge de sua fragilidade e vivacidade, num lugar com esse nome? Mas é um bairro bacana, do tipo daqueles que a gente gostaria. Prédios baixos e charmosos, sem o rococó brega das casas coloniais. Árvores de tons diferentes complementam os prédios. Bares abertos o tempo todo. E pessoas de óculos retangulares nas ruas. E o Vinicius que me perdoe, mas fundamental mesmo é o óculos retangular.

sábado, 20 de setembro de 2008

Here I am,one of us

Só para dizer que te amo, que estou morta de saudades, que mataria um para estar do seu lado hoje. Se eu estivesse aí hoje, ah, se eu estivesse aí hoje, faria tudo. Tudo. Tudo. Inclusive aquilo que você pede todo dia e eu só faço a cada quinzena.
Campeonato, I´m in.
Augusta, como poderia recusar? É sempre aquela coisa: você bebe pinga, eu absolut vanilla. Você dança, e aí só tem duas alternativas: ou o mundo pára, atônito, ou ele tenta acompanhar seu ritmo. Eu tento, seu braço me leva, meus olhos te seguem, você me roda, eu perco o chão, não perco a piada. Lá pelas tantas a absolut me deixa sóbria e percebo o quanto. O quanto tanto verbo que nem sei dizer qual. O quanto te amo, te adoro, te preciso. Não sei dizer agora. I am high of amytril, não de vodka, e você sabe, o amytril não me impede de morrer de tédio. Estivesse aqui a vodka, o tédio sumiria, o texto apareceria, eu dançaria, e se eu não achasse o ritmo entre um e passo e outro, pelo menos acharia o verbo. O ritmo talvez eu encontrasse na mesma Augusta, mas só depois da balada, quando você resolve que dançar na pista não dá nada e bota a gente prá dançar na calçada. Dois perdidos se achando numa noite suja.
Voltei de um restaurante agora. Tinha no cardápio um risoto de gorgonzola com redução de vinto tinto. Era você num prato. Mas não deu pra pedir, e eu vou dormir sem a única coisa que eu precisava: você transpondo a fronteira e voltando a fazer parte do meu mundo interno. O que tenho agora, no fim dessa noite que terminará cedo demais, é um teclado cuja tecla de espaço não funciona. E no fundo esse texto é sobre isso: espaço. Esse hiato que surge entre o suspiro e o gemido. Que seja breve para diminuir a espera, que seja longo para aumentar a vontade.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Just a few thoughts

Esse post vai ser bem óbvio e não quero me desculpar por isso.

Ser mendigo deve ser uma merda. Às vezes acordamos com as costas fazendo crec-crec, nós que dormimos em camas americanas, com pillow tops e travesseiros da Nasa. Eles dormem no chão. Não tem aquela sensação gostosa de um belo banho após um dia quente. Fazem côco e xixi na rua. Etc, etc, etc.

Mas tem esse cara que fica na Oscar Freire. Ao meio-dia de uma sexta nada casual, médicos passam pisando firme, indo ao restaurante por kilo com o ímpeto de quem vai retirar um tumor do salvador da Pátria. Internos que só dormiam nas aulas, copiavam trabalhos do Zé Moleza e agora só observam consultas vão almoçar trajando jaleco e estetóscopio, como se precisassem ascultar o coração do bife à parmegiana. E está nosso sujeito: sentado na calçada, fedendo, fumando um beck, balançando seus braços ao som do radinho de pilha. Free as a bird? Free as the Bird himself never have been. E nós preferimos não ver, desviar, ignorar. Porque se um mendigo qualquer já incomoda, um mendigo que tem algo que perdemos é quase insuportável.

domingo, 17 de agosto de 2008

Eu, à mão livre

Fruitless. Pointless.

Gosto de tudo e de todos, quando eles estão bem longes. Gosto do Acre, agora que saí de lá. Gosto de Boston, enquanto não vou. Gosto da Fê, agora que ela está em outro continente.

Faço planos, muitos planos. Vivo? Não sei. Às vezes acho que a coisa mais viva que deixo chegar perto é a dor. Dor física mesmo. E aí dói tudo: minha garganta, meu pulmão, meu pescoço, meu joelho, minha cabeça, minha bexiga, minha barriga. Acho que entendo o porquê. É preciso ter algo orgânico, algo vivo, perto/dentro de mim.

Eu me escondo e quero trancar todas as portas. A internet me oferece uma vitrine do mundo. Coisas para comprar e incorporar, ver se encho o vazio. Fico com medo de alguém vir olhar o que estou fazendo, o que estou vendo. Crio um mundo doido, cheio de desejos, fantasias e amigos imaginários. Faço listas de quais pedidos eu faria para o gênio da lâmpada (sim, sou louca, bienvenue para quem só percebeu agora).

Você pode me perguntar se precisa ser assim. Não, não precisa. Tenho opções, tenho escolhas, tenho amigos, posso preencher com programas e companias. Mas é estranho, sempre foi. O desconforto, o medo (estão aqui, sempre estiveram, apenas algumas vezes mais, outras menos). Quando menos, é só uma hesitação, uma vergonha, um não saber do que falar, um medo do silêncio constrangedor. Quando mais, é um abismo. As pessoas felizes, as práticas, as simples, as resolvidas, todas elas do lado de lá. Sinto raiva das pessoas sem travas. Sinto raiva da felicidade obrigatória. Sinto raiva e desanimo.

E aí tem o texto, agora nesse formato louco de blog. Meu íntimo, agora publicado, para quem quiser saber. Escancarar a loucura, abrir para o mundo, vestir a casaca? Ou simplesmente estetizar os sentimentos, transformar o conteúdo em forma, virar o poeta fingidor que sente o que deveras sente, mas cuja forma aliena a mensagem e se torna o estandarte? Depois de terminar esse texto, irei relê-lo. Se estiver ficado bom, vou sentir orgulho de mim mesma e não vou mais pensar no que estava pensando. Vou só esperar que os outros gostem. Não sei se isso é uma tábua de salvação ou um cinto de pedras. Não sei.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Lonely as I am, together we cry

E faz calor. Calor insuportável, sufocante, que amortece meus sentidos e lentifica minhas reações. Meus olhos não se levantam, sem força e com medo de cruzarem e não se conterem. Faz frio e tudo congela. Os olhos da vizinha me dissecam. O que ela sabe? O que ela sente? O que ela espera?
O elevador no nosso andar. E eu me apavoro. Eu ando e ando, não sei como, a gravidade pesa 30 G. A rua é habitada por um povo estranho que não sabe minha língua. Eu sento. Na calçada, no ponto de táxi. As canetas se escondem dentro da minha bolsa e só acho uma marca-texto. Marcarei e sublinharei, grifarei fortemente os trechos mais importantes. Para eu mesma, única atriz, única espectadora do meu próprio monólogo.
Eu falo. As palavras saem da minha boca e eu me surpreendo com a minha máquina. Meu discurso tão automático, tão frio, tão longe do que sinto e tão perto. Versos bregas, soltos e mal feitos me vêm à mente. Não sinto força para lutar contra eles. Faz frio, faz muito frio.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Uma de quatro - ET, minha casa


Caos. Stupas douradas. Gatos e ratos, ambos bem alimentados, convivem nas calçadas. Mulheres delicadas, travecos bonitos, homens pequenos. Poucos semáforos. Cinco pessoas e um bebê em cima de uma moto. Mão na direção errada. O sal não existe. O salgado vem da ostra. Monges nas ruas às quatro da manhã. Nórdicos gigantes, quase do tamanho dos arranha-céus. O cheiro de uma laranjinha toma conta de uma rua enquanto finca suas garras na minha memória.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Baking is my thing?

Faz um tempão que eu descobri que eu adoro cozinhar. No dia a dia, eu cozinho bem pouco, faço várias coisas rápidas que não considero cozinhar. Um tostex, por mais quente que seja, não faz a transição do cru para o cozido, não é o ticket para irmos da natureza para a cultura. Isso faz com que muitas pessoas achem que eu não gosto de receita fácil. E hoje, cozinhando uma receita trabalhosa, tive uma epifania. Eu gosto de receitas que funcionem. Invariavelmente, daquelas que nunca dão errado. Mas que funcionem mesmo, não só no sentido de dar certo, mas no sentido de encher a boca, de ser quase uma bruxaria. E, por esse desejo, descobri o mundo de fazer doces.
Em vários aspectos, o doce é superior ao salgado. Em primeiro lugar, o salgado satisfaz sua fome, o doce satisfaz esse refinamento humano maravilhoso chamado gula. Ou seja, se você estiver com bastante fome, um salgado médio pode virar bem bom. Com a sobremesa é o oposto; seus sentidos estão limpos, sem o viés da fome, o doce tem que ser muito bom para você achá-lo muito bom. Além disso, se a única função do doce é o prazer, se ele só te der um "prazerzinho", é como uma meia-foda, uma foda mal dada. O doce tem que ser aquela trepada que te arrebata dum jeito que fica difícil levantar pra pegar papel higiênico depois. Ao mesmo tempo, o doce também arrasa quando consegue te transportar para a infância, para aquela época em que você podia tudo, em que tudo tinha a dificuldade e a complexidade do brigadeiro de colher (ou da pipoca caramelada da minha avó).
Além disso, é claro que qualquer receita, doce ou salgada, depende de bons ingredientes. Mas eu acho que para os doces isso é ainda mais importante. No mundo do salgados, ingredientes mais difíceis, como miúdos, podem ficar maravilhosos, se você souber ouvir o jeito de cozinhar que ele pede. Mas chocolate Pan ou Evelyn nunca vão dar uma boa mousse, uma boa torta. Podem, no máximo, dar uma boa larica.
E, at last but not at least, o doce é a matemática da cozinha. Ele é o prato que exige termômetro e balança. Aquele que não dá para improvisar, não dá para mudar no meio caso esteja dando errado, como a gente faz com qualquer salgado. Para mim, é um ritual de concentração extrema, de ler a receita quinze mil vezes, de prestar atenção em cada passo (é louco pensar como algo tão cartesiano pode ter um efeito tão dionisíaco). Mas no meio dessa geometria euclidiana, existe a teoria do caos: assar. Assar faz minha álgebra virar shuffle, como diria o moço do Subo nesse palco. É possível um bolo estar com a crosta branca e o fundo queimado. Só que você não tem como ver o fundo e por isso se baseia na crosta e no tempo indicado na receita. Mas, quando você tira do forno, bum, está lá aquele queimadão embaixo tomando conta do gosto todo. Outro dia isso quase aconteceu, mas eu tirei as belezinhas do forno a tempo. Hoje, não tive tanta sorte, então vou publicar aqui a receita que deu certo invariavelmente, afinal, that's my thing!
De novo, a receita é baseada na série de receitas caseiras do Cordon Bleu (inclusive, se você quer aprender a cozinhar, sai desse blog e vai comprar esse livro), mas eu adaptei para o que tinha em casa.

Muffins de chocolate
Rende + ou - 12 muffins médios

300 g de farinha de trigo (sugiro da marca Renata)
3 col. (chá) de fermento em pó
4 col. (sopa) de chocolate em pó
115 g de açúcar
170 g de chocolate meio-amargo comum picado (sugiro Nestlé, mas se você tiver dinheiro para algo melhor mande bala)
60 g de chocolate amargo com alta % de cacau picado (eu usei o Lindt 85%, se você não for tão fã de sabor amargo use um de 60 a 70%)
2 ovos
2 potes de iogurte natural integral
90 g de manteiga sem sal derretida

Pré-aqueça o forno a 220 graus. Unte as forminhas de muffin (ramequins também servem) com manteiga.
Peneire a farinha, o fermento e o cacau numa tigela grande, misture com o açúcar e o chocolate picado e faça uma cova no centro.
Bata os ovos com o iogurte (até ficarem bem incorporados um ao outro) e jogue na cova, junto com a manteiga derretida. Mexa até tudo estar combinado, mas não mexa demais para não ficar borrachento (deixe a mistura com grumos).
Encha cada forminha até 3/4 da capacidade com a massa. Asse por 20-25 minutos ou até que um palito espetado no centro de cada muffin saia relativamente limpo (ele pode ficar sujo de chocolate derretido, mas não de massa). Deixe os muffins esfriando por 5 minutos antes de tirá-los da forma. De preferência, coma enquanto eles estiverem quentes.

terça-feira, 1 de julho de 2008

A semana da hipocrisia – Epílogo – Did I leave a bad taste in your mouth?

Ufa, demônios expurgados. Mas sinto um pouco de medo de que a acidez tenha corroído o blog. Então, resolvi encerrar a semana da hipocrisia fornecendo um antídoto contra a mesma – minha receita de biscoitos de chocolate e laranja. Ela atua contra a hipocrisia em três frentes. Em primeiro lugar, ela leva manteiga. Muita manteiga, esse ingrediente condenado pelos hipócritas que querem viver muito para passar muitos anos assistindo Zorra Total. Em segundo lugar, quando o biscoito estiver na sua boca, você será tomado por tanto prazer que não conseguirá disfarçar. E em terceiro, porque eu serei totalmente honesta: essa receita dá muito trabalho!


Biscoitos de laranja e chocolate da Lady Jass (baseado numa receita do Cordon Bleu, livro Receitas Caseiras de Chocolate)

200 g de manteiga sem sal, à temperatura ambiente. Use a melhor manteiga que encontrar, eu sugiro a francesa Prèsident. Nunca use manteigas com gosto mais rançoso, do tipo Aviação.
5 colheres (sopa) de açúcar granulado fino.
Raspas da casca de 1 laranja madura (é difícil raspar sem pegar a parte branca, mas tente seriamente porque a parte branca é bem amarga e ruim. Se você for meio estabanado como eu, não conseguirá aproveitar a casca de uma laranja inteira, então raspe mais uma metade, senão o biscoito não pegará gosto).
250 g de farinha com fermento.
1 barra de chocolate meio amargo em pedaços (170 a 200 g). De novo, tente comprar o melhor chocolate que o seu bolso permitir.


Aqueça o forno a 190º C. Unte uma fôrma grande com manteiga derretida.
Amacie a manteiga com uma colher de pau, adicione gradualmente o açúcar e as raspas de laranja e bata (na batedeira) até obter um preparando esbranquiçado. Peneire a farinha e misture nesse preparado (com as mãos) até ligar. Faça bolas de massa do tamanho de nozes. Coloque-as na fôrma untada e as achate com um garfo molhado. Leve para assar até que os biscoitos estejam dourados. Fique na cozinha enquanto isso porque o cheiro deles assando é a forma mais concreta que eu já vi a felicidade assumir.

Retire os biscoitos do forno e deixe-os esfriar. Forre uma outra fôrma com papel alumínio ou papel manteiga. Derreta o chocolate em banho-maria. Mergulhe cada biscoito no chocolate derretido, mas sem mergulhá-lo por completo, só metade dele deve ficar coberto com chocolate (como se fosse uma meia-lua mesmo), deixe escorrer um pouco e coloque na fôrma. Leve a fôrma com os biscoitos para a geladeira e deixe lá até o chocolate firmar.

Os biscoitos podem ser conservados por até uma semana, em um recipiente fechado, mas eu tenho certeza que eles não durarão tudo isso.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

A semana da hipocrisia - Not a girl who misses much

Estava tarde, estava escuro, estava sozinha. Os postes eram daquela luz amarelada. Ela costumava amar o efeito dessa luz nas folhas das árvores, no seu caminho de volta para casa. Mas, naquela noite, as árvores guardavam algo. Ela não se lembra direito, mas lembra dos olhos. Eles não piscavam, eram diretos, afiados, como de um animal. Ele chegou perto e tentou pegar sua bolsa. Ela não queria dar. Ela era teimosa, sempre foi. A bolsa era sua, o dinheiro era dela, ela ganhou aquilo, não ia dar para nenhum filho da puta. E aí ela sentiu. Gelada, muito gelada. Mas o sangue que saía era quente, tão quente queimava, como se estivesse colocando sal numa ferida. Teve alguns segundos para pensar e, neles, desejou que a facada não a tivesse deixado paralítica. Ela não tinha medo de morrer, mas tinha muito medo de ficar paralítica.

Meses depois, ela ainda sentia o arrepio. Um calafrio horrendo que tomava seu corpo ao menor sinal de medo. Indescritível para qualquer pessoa que não estivesse na pele dela. E aí ela passou a sentir saudades de duas coisas. Sentia saudades daquela época em que achava que o John cantava “happiness is a warm welcome home” e aí, quando ela leu que era warm gun, não entendeu. E sentia saudades de se sentir segura.

Foi por isso que quando a amiga disse “vem, qualquer coisa eu te defendo”, ela foi. Elas trabalhavam juntas e estavam na última visita do dia. A casa era longe e a amiga sugeriu um atalho. Era dia, mas o atalho tinha árvores e era escuro. Ela não queria ir, mas quando a amiga disse aquilo, ela foi, porque sentiu como se tivessem tirado um peso de suas costas. Em todo esse tempo, ela tinha que se cuidar o tempo todo, tinha que ficar sempre esperta para que nada de ruim acontecesse de novo. Mas naquele momento ela poderia descansar, pois a amiga cuidaria dela e não deixaria que ninguém a machucasse de novo.

Enquanto elas andam, a amiga diz: “sabe, eu acho que isso aconteceu com você por algum motivo. Com certeza, Deus quer que você aprenda algo”. O chão abriu embaixo dos seus pés e ela sentiu uma dor tão forte que, se ela já não tivesse sentido dores piores, teria caído. Essa era a pessoa que iria defendê-la? Alguém capaz de uma hipocrisia tão grande? O único motivo foi que esse mundo é hostil, indiferente, perigoso e quase inimigo. E a amiga, fala tal merda com tanta propriedade. A propriedade típica daqueles que nunca passaram por nada, nunca sofreram nada além de uma dor de cotovelo. Quem sabe Deus, esse psicopata tomado por misericordioso e bondoso, não perceba que é hora de fazer algo assim acontecer à amiga? Só para ela aprender o quanto dói ouvir uma bosta dessa.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

A semana da hipocrisia - Fair play

Você é um jogador de xadrez. Bom, muito bom mesmo. Você nunca perdeu um campeonato e jogar e ganhar são as únicas coisas que você sabe fazer. Os outros se espantam com a sua habilidade, mas você nunca se espantou. Você se vê como um leão. Ninguém comemora quando o leão tráz a caça. Achar a presa, elaborar a estratégia, esperar o momento certo, dar o bote, correr no limite, abocanhar e esperar que ambos os corações - da presa e do caçador - se acalmem. Nada disso é um feito para o leão, ele já nasceu sabendo, bastou apenas ver. Assim é o xadrez para você; natural, intrínseco.
E, justamente por isso, nunca se cobrou. Cobrança é para os fracos, aqueles que nunca sabem se conseguirão ou não. Você sempre consegue, ponto. Revolta é sentimento dos fracos também. Você não suporta aquele papinho de "o juíz me prejudicou", as mil desculpas que as pessoas inventam para justificar porque perderam. Elas perderam porque não eram tão boas, ponto. Elas perderam porque jogaram contra você, ponto.
Mas, sabe-se lá porque, antes do jogo seu coração acelera muito, você acha que todos ouvem, inclusive. E, nesse dia, ao ir para mesa, seu sapato sai do seu pé. No começo do jogo, seu braço (ou seria o seu cérebro?), seu instrumento, treme. Você não é alguém de sucumbir aos maus presságios ou aos maus começos. Então você joga, joga muito. Usa sua melhor tática, aquela de não olhar para o tabuleiro e sim para os olhos do seu inimigo, e vê neles a sua vitória. Mas não. Hoje simplesmente não era o seu dia.
Você é o vice, o segundo melhor, veja que bela merda! E você quer rugir, quer berrar, quer chorar, quer sussurrar. Você quer fugir da inevitabilidade do que está para acontecer: sentir o gosto acre do outro lado. Você se horroriza ao vislumbrar o que virá: sombrancelhas franzidas, sorrisos amarelos, passadas de mão na cabeça, clichês-consolos. Na próxima semana, toda vez que você encontrar alguém sentirá medo de que a pessoa queira saber o que aconteceu, procurar as justificativas que você odeia, ou, pior dos piores, consolá-lo. Cada encontro será tenso, você ficará na expectativa, ela falará ou não falará? Existirá outro assunto no mundo que não a sua derrota?
E se você é mesmo um leão, te sobra uma alternativa. Vá, mate seu inimigo, reaja. Ou, ao menos, chute a canela dele. Mas não, ah não, você terá espiríto esportivo, você será hipócrita. Faça seu sorriso amarelo para a foto oficial. Receba a medalha que certifica seu fracasso, como se você precisasse dela para se lembrar disso para sempre. Aperte a mão do filho da puta, diga parabéns. Nas entrevistas, elogie a capacidade dele, aquele bostinha que deu sorte uma vez na vida, diga que não dá para ganhar sempre. Dentro de você mora a verdade: esse resultado foi causado por um bater de asas de uma borboleta no outro lado do mundo, um acaso, uma fatalidade. Você é um leão e amanhã você estará na savana de novo. Afinal, é só isso que você sabe fazer.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

A semana da hipocrisia - Rien de rien

Você tomou todas as decisões erradas. E sabe disso. Dorme velho, com os pés sozinhos e gelados. Namorou a mulher certa. Casou cedo com a mulher errada. Nunca se livrou dela. Teve um caso com a mulher mais certa. Nunca levou para frente. Sentiu em seus braços e no meio das suas pernas aquela que mais te venerava. Você a acusou, a humilhou, a colocou na sarjeta. Você apoiou a ditadura. Deu muitas lições de moral. Nunca olhou dentro dos olhos das suas filhas. Nunca reconheceu a dor dos outros, a não ser quando eram misturadas com as suas. Sempre que te aconselharam o contrário, você colocou todo o seu dinheiro nos investimentos errados. Você destruiu as coisas dos outros. Se preocupou com um pano de prato quando a casa estava em chamas. Você tirou sarro de quem sentia medo. Nunca pediu desculpas quando você sabia que estava errado. Você acusou quem tentava te proteger quando você era uma pombinha frágil, só para se aliviar. Só porque você podia. Sua cabeça estava confusa e isso sempre foi sua desculpa para tudo. Você disse que sempre quis ser feliz, mas nunca ninguém te deixou ser. Você nunca escutou quem tentou. E agora você me diz que não se arrepende de nada. Que se tivesse que viver sua vida de novo, faria tudo igual. Me desculpe pela franqueza, mas você não é Piaf. Você é hipócrita. Sabe que se você olhar para cada erro, e foram tantos, você perceberá que não te sobra muita escolha, você só poderá um dos dois: morrer ou mudar. E você não consegue nenhum deles.

domingo, 22 de junho de 2008

A semana da hipocrisia - prólogo

No horóscopo chinês, coisa na qual não creio, há um signo chamado cabra. "Cabras têm maior consciência de como desculpar as pessoas", my lover said. Ele continua dizendo que nós, as cabras, representamos a bondade, pois não fazemos cobranças e não as aceitamos para conosco. Nós distribuímos o açúcar pelo mundo. Mas isso não significa que sejamos Polianas, que amemos a todos. Simplesmente porque os bonzinhos, aqueles que não xingam, que nunca desejaram um malzinho sequer, são os hipócritas. Nós odiamos a hipocrisia, esse veneno que mata a liberdade de odiar, de invejar, de praguejar. We know for a fact que a liberdade é a irmã siamesa da bondade, não tem como existir a bondade "obrigada". Quando nos sacrificamos para fazer algo que consideramos ser bom, estamos automaticamente nos fazendo sofrer, o que é certamente uma maldade terrível.
Eu, cabrinha que sou, tenho essas idéias fazendo barulho na minha cabeça. E, puta merda, que barulho infernal e insistente elas fizeram nesses últimos dias, nos quais pratiquei e ruminei intensamente a hipocrisia. Com medo de incorporá-la, resolvi exorcizá-la nesse meu espaço, dedicando essa semana a ela. Caso você deseje ser um hipócrita, encontrará aqui algumas lições.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Lose your illusions: vamos todos morrer

Prefácio: estou desovando textos velhos, espero que eles aparentem algum sentido, como aparentaram quando estavam sendo paridos.

Bem ao estilo do Mr. Eko, vou começar do começo. Dizem que Adão e Eva cometeram o pecado original ao provar o fruto da árvore proibida. Todo mundo sabe que isso é uma metáfora, mas é engraçado pensar que ninguém sabe exatamente do quê. O que catso o fruto e a árvore representam? Já ouvi várias versões, não faço a menor idéia de qual seja a verdadeira, mas a minha favorita é aquela que diz que a árvore era a “árvore do conhecimento” e que, ao comer o fruto, Adão e Eva tomam conhecimento de que são mortais. A partir disso, eles tomam para si seus destinos, tentando evitar a morte. Alguns dizem inclusive que essa busca de algo que evitasse a morte criou a ciência.

Me peguei pensando como se vive uma vida sem consciência da morte. A idéia me pareceu irremediavelmente absurda até que lembrei dos animais, que vivem suas vidas exatamente assim, sem saber que morrerão. Essa constatação óbvia me levou a outro estado de espanto: se o animal não sabe que pode morrer, como ele se defende do perigo? Não quero a resposta básica dos genes egoístas, minha trip passa longe da biologia. Como é possível ter instinto de vida, se ele mal sabe o que é vida? Afinal, só conhecemos algo quando conhecemos sua negação. Tendo a pensar que o animal se defende para evitar a dor, que é algo que ele conhece, já que não depende de linguagem ou consciência. Me veio a lembrança de vários gatinhos doentes que vi. Muitos deles estavam bem fraquinhos e se eles comessem podiam se recuperar. Eles ficavam quietos, parados, prostados, não comiam, parecia que queriam morrer. Mas quando tomavam uma agulhada de uma injeção que podia salvá-los faziam um escândalo. Hoje entendo. Os gatos fugiam da dor, e não da morte.

Parece que nós fazemos o contrário, fugimos da morte, e não da dor (e muito menos das dores menores, os incomôdos chatos). Vou dar alguns exemplos que ficaram na minha cabeça. Acabo de voltar da França, onde o fumo foi proibido em todos os bares e restaurantes. Na França! Na França!! Preciso explicar o absurdo que é isso? A TV falava o tempo todo dos milhares de não-fumantes que morrem por causa do fumo passivo. Outro fato curioso que ocorreu na viagem foi ter cruzado com uma amiga muito bacana, cujo pai morreu de câncer. Ela se preocupa muito com isso, pesquisa muito na internet sobre prevenção e descobriu que desodorantes com alumínio podem dar câncer. Aí então ela vai de farmácia em farmácia lendo os rótulos dos desodorantes até encontrar um sem alumínio.


A idéia desse texto não é divulgar uma mensagem “vamos nos drogar, fumar, comer feijoada no café da manhã e tá tudo ótemo”. A medicina é algo essencial e tem doenças das quais ninguém devia morrer mesmo (como diarréia, desnutrição etc). E também sou uma pessoa da ciência, e não da fé. Minha inquietação é a seguinte: por termos consciência e linguagem, sabemos que vamos morrer e temos medo da morte, seja por medo da dor, por apego ou por seja lá o que for. Mas não tem jeito, lose your illusions: vamos todos morrer. Mas nosso medo é tão grande que ele se esgueira e nos invade, guia nosso comportamento sem percebemos. Em vez de nos darmos conta do nosso medo, somos tomados por ele e criamos uma sociedade obcecada pela conservação de algo definitivamente perecível. Fico louca quando leio alguma reportagem sobre velhice em que para dizer que um velho está bem dizem que ele parece um jovem. Então a velhice na real é sempre ruim. Fazemos um monte de estudos para descobrir como viver mais. Descobrimos, por exemplo, que comer pouco aumenta a expectativa de vida. Nosso medo (e também nossa ignorância) nos impede de ver que a pesquisa só diz que se passarmos a vida toda sem aproveitar o prazer supremo que é a boa comida temos uma probabilidade de x% de vivermos mais 5,43 meses. Procuramos culpados para a nossa morte: é o filho da puta do fumante da mesa a cinco metros de distância que está me matando, já que a pesquisa nos diz que quem fica por perto de um fumante tem y% a mais de chance de morrer. Esqueça: nossa chance de morrer é de 100%.

PS: não sou fumante e tenho muito medo de morrer também. Tenho mais medo ainda de que a pessoa que eu mais amo morra antes de mim. Mas isso fica um assunto para outra hora.

Fools on the hill

Abençoados sejam os vira-latas.
Os pedrestes numa noite de chuva.
Os cantores com calos na garganta.
Os garçons com síndrome do pânico.
Os cientistas que perderam a razão.
O paciente que perdeu a conta.
O poeta que perdeu o ritmo.
O impaciente que fica na fila.
O pai que fuma.
O diabético que não ignora a Páscoa.
O argelino que mora em Paris.
O paquistânes que tem que ir a Washington.
O vestibulando que encontra o portão fechado.
E os escritores, aos montes:
Aquele que perdeu o prazo.
Aquele que tomou um não.
Aquela cuja família leu a crítica ruim.
Aquele que cometeu um erro de português.
Aquele que sente vergonha do que escreve.
Aquele que nunca vende.
Aquele que sempre esquece os nomes das palavras.
Aquele que parou de sonhar.
E o que não sabe como terminar.

Esse blog vai ser sobre tudo aquilo que eu incorporo. Tudo que ultrapassa a fronteira e passa a fazer parte de mim. A começar pela comida. Mas indo dentro e além dela, quero escrever sobre os pensamentos que rumino, as dúvidas que habitam meus sonhos, os devaneios que tenho quando dirijo.
Não tenho a pretensão de fazer literatura, não vou pedir para o meu querido redator corrigir meus textos. Minha única expectativa é dialogar com esses objetos. Mas lógico que se alguém gostar e me mandar um comentário vou ficar muito feliz.