sexta-feira, 21 de novembro de 2008

I, me, me, mine

Ficar muito tempo sem escrever é uma merda*. As idéias empacam. E embora eu esteja ruminando alguns pensamentos há algum tempo, não sei como articula-los nesse texto. Vou tentar contar mais ou menos como era a idéia, fingir que sou sofisticada e fazer um meta-texto.
O título era: gula, santificada seja vosso nome.
Começava assim: numa edição da Trip dedicada à alimentação, um cara dizia que todo mundo tem um momento derradeiro na vida que é mais do que uma epifania**. É um momento que sela quem você vai ser, qual será sua sina. Ele contava que seus pais os levaram pruma fazenda quando criança e mostraram para ele um bezerro. E ele disse: puxa, que bonitinho, quando a gente vai matar ele para fazer churrasco? (juro que eu queria ser mãe dessa criança). E aí, fudeu, tava selado: ele seria um pagão para todo sempre.
Minhas cenas definitivas são três e formam uma história, acho. Ou pelo menos uma sessão de terapia.
5 anos, jardim III. A professora pede para a gente inventar uma história envolvendo nossos pais e o que eles fazem da vida. Meu pai e minha mãe, administrador e dona de casa, viraram piloto de fórmula 1 e bailarina. Mas não era só que eu era mentirosa (o que eu era), a verdade é que dentro da minha cabeça a fantasia fazia muito mais sentido do que a realidade. E continua fazendo até hoje.
5 anos, mesmo jardim III. A professora chega e prega 5 cartolinas com desenhos de casinha na parede. Cada casinha tinha uma janela fechada e ela disse que dali a uma semana ia abrir as janelas e dali sairia uma grande surpresa. Meu amiguinho, que eu não me lembro se era imaginário ou real, achava que iam voar carrinhos. Eu achava que iam voar balas e chicletes. Ela abriu as janelinhas e lá estavam as vogais. Nada que possa ser comparado a uma bela bola feita de 5 buballos de morango.
4 anos. Meu avô (my fella, my guy) comprou um gravador e o barato dele era gravar uns cassetes da minha irmã e de mim falando. Para minha irmã aquilo era o grande palco. Ela passava horas cantando música, inventando personagens, dando entrevistas para o gravador (“a bailarina da família”). Eu, boa Raul Seixas que sempre fui, achava tudo aquilo um saco. Minha voz é ouvida poucas vezes na fita que achei, 20 anos depois, só gritando e tocando o puteiro no background. Mas vez ou outra eu apareço, com a voz mais manhosa do mundo: vô, vamo na padaria? Ele pergunta o que eu quero da padaria, e eu digo: chiclete. Vô, me dá uma balinha. Ele diz: dou, mas antes você precisa jogar o chiclete que está na sua boca.
Uma bela hora ele consegue me sentar para fazer uma entrevista. Ele começa a perguntar quem está na casa dele, no interior (estávamos de férias lá).
- Um, dois, três, gravando. Entrevista com a senhorita Jasmin de Bellis. Quem está aqui em Lindóia?
- O vô.
- Quem mais?
- A vó.
- Quem mais?
- A Renata (minha irmã).
- Quem mais?
- A Jasmin.
- Muito bem, senhorita Jasmin (ele não disfarça o orgulho). O seu pai está aqui? A sua mãe está aqui?
- Não. Ele se enche de alegria. Sim, eu era pequeninha e ficava semanas só com você lá, vô, não precisava dos meus pais não. Eu ficaria só com você, em qualquer lugar, sempre, você não sabe?
- A senhorita foi na doceria do Élcio hoje?
- Não, vô, sabe o que é? Não é doceria, é sorveteria – momento derradeiro este também, eu pequeninha, já chata, com mania de corrigir as pessoas. Ele adora e morre de rir. Alguma dúvida de porque eu nunca perdi esse hábito? E, sim, lá estava eu, falando de doce mais uma vez.
- E o que mais você fez hoje? Você está se divertindo aqui?
- Ah, tudo que eu gosto. Eu amo aqui. Quando eu crescer e casar, vou morar aqui.

Era isso. Tudo que sou, eu já era aos quatro, cinco anos. Ansiosa, vivendo no futuro do meu mundo paralelo. Manhosa, lariquenta, gulosa, comilona, doce.

E não vou concluir mais nada. Deixarei no decifra-me ou devoro-te. Mas, cuidado, porque devorar sempre foi minha especialidade.



* Vocês acreditam que o meu word colocou minhoquinha vermelha embaixo do merda? Que porra (ôpa, de novo!) de pessoa inventou um programa que finge não conhecer a merda?
** O inventor também não conhece epifania. Não conhece nem merda e nem epifania. Diagnóstico: pessoa rasa.