quinta-feira, 31 de julho de 2008

Uma de quatro - ET, minha casa


Caos. Stupas douradas. Gatos e ratos, ambos bem alimentados, convivem nas calçadas. Mulheres delicadas, travecos bonitos, homens pequenos. Poucos semáforos. Cinco pessoas e um bebê em cima de uma moto. Mão na direção errada. O sal não existe. O salgado vem da ostra. Monges nas ruas às quatro da manhã. Nórdicos gigantes, quase do tamanho dos arranha-céus. O cheiro de uma laranjinha toma conta de uma rua enquanto finca suas garras na minha memória.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Baking is my thing?

Faz um tempão que eu descobri que eu adoro cozinhar. No dia a dia, eu cozinho bem pouco, faço várias coisas rápidas que não considero cozinhar. Um tostex, por mais quente que seja, não faz a transição do cru para o cozido, não é o ticket para irmos da natureza para a cultura. Isso faz com que muitas pessoas achem que eu não gosto de receita fácil. E hoje, cozinhando uma receita trabalhosa, tive uma epifania. Eu gosto de receitas que funcionem. Invariavelmente, daquelas que nunca dão errado. Mas que funcionem mesmo, não só no sentido de dar certo, mas no sentido de encher a boca, de ser quase uma bruxaria. E, por esse desejo, descobri o mundo de fazer doces.
Em vários aspectos, o doce é superior ao salgado. Em primeiro lugar, o salgado satisfaz sua fome, o doce satisfaz esse refinamento humano maravilhoso chamado gula. Ou seja, se você estiver com bastante fome, um salgado médio pode virar bem bom. Com a sobremesa é o oposto; seus sentidos estão limpos, sem o viés da fome, o doce tem que ser muito bom para você achá-lo muito bom. Além disso, se a única função do doce é o prazer, se ele só te der um "prazerzinho", é como uma meia-foda, uma foda mal dada. O doce tem que ser aquela trepada que te arrebata dum jeito que fica difícil levantar pra pegar papel higiênico depois. Ao mesmo tempo, o doce também arrasa quando consegue te transportar para a infância, para aquela época em que você podia tudo, em que tudo tinha a dificuldade e a complexidade do brigadeiro de colher (ou da pipoca caramelada da minha avó).
Além disso, é claro que qualquer receita, doce ou salgada, depende de bons ingredientes. Mas eu acho que para os doces isso é ainda mais importante. No mundo do salgados, ingredientes mais difíceis, como miúdos, podem ficar maravilhosos, se você souber ouvir o jeito de cozinhar que ele pede. Mas chocolate Pan ou Evelyn nunca vão dar uma boa mousse, uma boa torta. Podem, no máximo, dar uma boa larica.
E, at last but not at least, o doce é a matemática da cozinha. Ele é o prato que exige termômetro e balança. Aquele que não dá para improvisar, não dá para mudar no meio caso esteja dando errado, como a gente faz com qualquer salgado. Para mim, é um ritual de concentração extrema, de ler a receita quinze mil vezes, de prestar atenção em cada passo (é louco pensar como algo tão cartesiano pode ter um efeito tão dionisíaco). Mas no meio dessa geometria euclidiana, existe a teoria do caos: assar. Assar faz minha álgebra virar shuffle, como diria o moço do Subo nesse palco. É possível um bolo estar com a crosta branca e o fundo queimado. Só que você não tem como ver o fundo e por isso se baseia na crosta e no tempo indicado na receita. Mas, quando você tira do forno, bum, está lá aquele queimadão embaixo tomando conta do gosto todo. Outro dia isso quase aconteceu, mas eu tirei as belezinhas do forno a tempo. Hoje, não tive tanta sorte, então vou publicar aqui a receita que deu certo invariavelmente, afinal, that's my thing!
De novo, a receita é baseada na série de receitas caseiras do Cordon Bleu (inclusive, se você quer aprender a cozinhar, sai desse blog e vai comprar esse livro), mas eu adaptei para o que tinha em casa.

Muffins de chocolate
Rende + ou - 12 muffins médios

300 g de farinha de trigo (sugiro da marca Renata)
3 col. (chá) de fermento em pó
4 col. (sopa) de chocolate em pó
115 g de açúcar
170 g de chocolate meio-amargo comum picado (sugiro Nestlé, mas se você tiver dinheiro para algo melhor mande bala)
60 g de chocolate amargo com alta % de cacau picado (eu usei o Lindt 85%, se você não for tão fã de sabor amargo use um de 60 a 70%)
2 ovos
2 potes de iogurte natural integral
90 g de manteiga sem sal derretida

Pré-aqueça o forno a 220 graus. Unte as forminhas de muffin (ramequins também servem) com manteiga.
Peneire a farinha, o fermento e o cacau numa tigela grande, misture com o açúcar e o chocolate picado e faça uma cova no centro.
Bata os ovos com o iogurte (até ficarem bem incorporados um ao outro) e jogue na cova, junto com a manteiga derretida. Mexa até tudo estar combinado, mas não mexa demais para não ficar borrachento (deixe a mistura com grumos).
Encha cada forminha até 3/4 da capacidade com a massa. Asse por 20-25 minutos ou até que um palito espetado no centro de cada muffin saia relativamente limpo (ele pode ficar sujo de chocolate derretido, mas não de massa). Deixe os muffins esfriando por 5 minutos antes de tirá-los da forma. De preferência, coma enquanto eles estiverem quentes.

terça-feira, 1 de julho de 2008

A semana da hipocrisia – Epílogo – Did I leave a bad taste in your mouth?

Ufa, demônios expurgados. Mas sinto um pouco de medo de que a acidez tenha corroído o blog. Então, resolvi encerrar a semana da hipocrisia fornecendo um antídoto contra a mesma – minha receita de biscoitos de chocolate e laranja. Ela atua contra a hipocrisia em três frentes. Em primeiro lugar, ela leva manteiga. Muita manteiga, esse ingrediente condenado pelos hipócritas que querem viver muito para passar muitos anos assistindo Zorra Total. Em segundo lugar, quando o biscoito estiver na sua boca, você será tomado por tanto prazer que não conseguirá disfarçar. E em terceiro, porque eu serei totalmente honesta: essa receita dá muito trabalho!


Biscoitos de laranja e chocolate da Lady Jass (baseado numa receita do Cordon Bleu, livro Receitas Caseiras de Chocolate)

200 g de manteiga sem sal, à temperatura ambiente. Use a melhor manteiga que encontrar, eu sugiro a francesa Prèsident. Nunca use manteigas com gosto mais rançoso, do tipo Aviação.
5 colheres (sopa) de açúcar granulado fino.
Raspas da casca de 1 laranja madura (é difícil raspar sem pegar a parte branca, mas tente seriamente porque a parte branca é bem amarga e ruim. Se você for meio estabanado como eu, não conseguirá aproveitar a casca de uma laranja inteira, então raspe mais uma metade, senão o biscoito não pegará gosto).
250 g de farinha com fermento.
1 barra de chocolate meio amargo em pedaços (170 a 200 g). De novo, tente comprar o melhor chocolate que o seu bolso permitir.


Aqueça o forno a 190º C. Unte uma fôrma grande com manteiga derretida.
Amacie a manteiga com uma colher de pau, adicione gradualmente o açúcar e as raspas de laranja e bata (na batedeira) até obter um preparando esbranquiçado. Peneire a farinha e misture nesse preparado (com as mãos) até ligar. Faça bolas de massa do tamanho de nozes. Coloque-as na fôrma untada e as achate com um garfo molhado. Leve para assar até que os biscoitos estejam dourados. Fique na cozinha enquanto isso porque o cheiro deles assando é a forma mais concreta que eu já vi a felicidade assumir.

Retire os biscoitos do forno e deixe-os esfriar. Forre uma outra fôrma com papel alumínio ou papel manteiga. Derreta o chocolate em banho-maria. Mergulhe cada biscoito no chocolate derretido, mas sem mergulhá-lo por completo, só metade dele deve ficar coberto com chocolate (como se fosse uma meia-lua mesmo), deixe escorrer um pouco e coloque na fôrma. Leve a fôrma com os biscoitos para a geladeira e deixe lá até o chocolate firmar.

Os biscoitos podem ser conservados por até uma semana, em um recipiente fechado, mas eu tenho certeza que eles não durarão tudo isso.